O ANGLICANISMO
1. HISTÓRIA
Ao contrário dos primeiros movimentos protestantes que
tomaram conta da Europa no século XVI, o anglicanismo surgiu em torno de
questões que envolviam diretamente os interesses da monarquia britânica. Na
Inglaterra, o rei Henrique VIII (1491 - 1547) teve grande importância na
consolidação da reforma religiosa.
Henrique VIII e a Igreja já tinham uma relação pouco
harmoniosa quando, no ano de 1527, o rei inglês exigiu que o papa anulasse seu
casamento com a rainha espanhola Catarina de Aragão. Henrique VIII alegava que
sua esposa não teve condições para lhe oferecer um herdeiro forte e saudável
que desse continuidade à sua dinastia. O papa Clemente VII resolveu não atender
as súplicas do monarca britânico. Inconformado, Henrique VIII obrigou o
Parlamento britânico a votar uma série de leis que colocavam a Igreja sob o
controle do Estado. Wilges afirma:
Em
vista disso o soberano conseguiu do parlamento o ato de supremacia que o proclamava chefe da Igreja da
Inglaterra. Segundo a Igreja Anglicana ele separou a Igreja do Papa,
interrompeu a comunhão com Roma, mas não com a fé católica e apostólica
(WILGES, 1984, p.86).
No ano de 1534, o chamado Ato de Supremacia criou a Igreja
Anglicana. Segundo os ditames da nova Igreja, o rei da Inglaterra teria o poder
de nomear os cargos eclesiásticos e seria considerado o principal mandatário
religioso. A partir dessa nova medida, Henrique VIII casou-se com a jovem Ana
Bolena. Além disso, realizou a expropriação
e a venda dos feudos pertencentes aos clérigos católicos.
Essa medida fez com que os nobres, fazendeiros e a burguesia
mercantil passassem a exercer maior influência política. No governo de
Elizabeth I , novas medidas foram tomadas para reafirmar o poder da Igreja
Anglicana. Alguns dos traços do protestantismo foram incorporados a uma
hierarquia e uma tradição litúrgica ainda muito próximas às do catolicismo.
Essa medida visava minimizar a possibilidade de um conflito religioso que
desestabilizasse a sociedade britânica. No seu governo foi assinado o Segundo
Ato de Supremacia, que reafirmou a autonomia religiosa da Inglaterra frente à
Igreja Católica.
Pelo Ato dos Seis Artigos, assinado em 1539, Henrique VIII
mantinha todos os dogmas católicos, exceto o da autoridade papal. Esta
dubiedade foi atacada tanto por protestantes como por católicos: os
protestantes reprovavam a fidelidade aos dogmas católicos, e os católicos
reprovavam o cisma. Eduardo VI, filho e sucessor de Henrique VIII, impôs ao
país a obrigatoriedade do culto calvinista. Maria Tudor, sua sucessora, tentou,
sem sucesso, restaurar o catolicismo. Com a morte de Maria Tudor, subiu ao
trono Elizabeth I, (1558-1603), filha de Ana Bolena, que instituiu oficialmente
a religião anglicana, através de dois atos famosos: o Bill da Uniformidade, que
criava a liturgia anglicana, e o Rui dos 39 Artigos, que fundamentava a fé
anglicana.
Essa
é a parte da história que você conhece. Uma versão muito simplista, diriam os
anglicanos. Segundo eles, o desejo de separação já estava presente bem antes desse
episódio. Desde o século II, para ser mais exato. Naquele tempo, ainda não
havia a religião católica. Existia apenas o cristianismo. Onde os apóstolos
paravam, construíam uma igreja, que ganhava o nome do povo local. Na
Grã-Bretanha, virou Igreja Celta: uma adaptação do cristianismo aos costumes,
crenças e tradições da região No século VI, já a mando da Igreja Católica,
santo Agostinho se estabeleceu na cidade inglesa de Cantuária, com o objetivo
de converter os anglo-saxões. Virou o arcebispo de Cantuária e colocou a Inglaterra
sob a tutela do Vaticano (VERONESE, 2008. s.p.).
Foi assim por quase 1 000 anos, até que o rei,
particularmente sentindo-se afetado pelas regras do catolicismo, decidiu
proclamar a independência.
2. HIERARQUIA
A Igreja tem uma organização hierárquica, com bispos, daí o
seu outro nome: a Igreja Episcopal. Aceitam o Tríplice Ministério através das
Sagradas Ordens de bispos, presbíteros e diáconos, de acordo com o ensino da
tradição da Bíblia e da Igreja. Obedientes ao mandato de Jesus Cristo, os
cristãos são chamados à missão e ao evangelismo no poder do Espírito Santo.
A Igreja Anglicana caracteriza-se por uma forma de culto
litúrgica mais semelhante à da Igreja Católica Romana do que das Igrejas
Protestantes. Tradicionalmente, a organização foi dividida em facções da Igreja
Alta (High Church) e Igreja Baixa (Low Church) e a Igreja Larga (Broad Church),que
refletem a controvérsia histórica sobre as formas de culto e de expressão.
A Igreja alta admite o soberano como chefe da religião, a
Igreja baixa “caracteriza-se pelo desprezo às formas exteriores de culto, pela
leitura assídua da Bíblia, pela insistência em uma piedade pessoal e privada,
por uma forte tendência anti-romana. Tendência calvinista”. (WILGES, 1984,
p.87). A Igreja larga caracteriza-se pelo indiferentismo religioso teórico e
prático.
3. DOUTRINA,
RITOS E SINAIS
3.1.
Princípios
essenciais do Anglicanismo
Irineu Wilges(1984, p.87) aponta que os anglicanos acreditam
que as Sagradas Escrituras contêm toda revelação necessária para que a humanidade
alcance vida plena. Toda a doutrina e liturgia sustentam-se na Bíblia Sagrada.
Os Credos Apostólicos, de Atanásio e Niceno, escritos no tempo da igreja
indivisa, constituem a confissão normativa da fé católica que preservam ainda
hoje. A igreja possui o poder de decretar ritos e cerimônias e tem autoridade
em controvérsias de fé.
A Igreja Anglicana é uma igreja sacramental. Professam o
Santo Batismo e a Santa Eucaristia como legítimos sacramentos diretamente
ordenados por Cristo e instrumentos da graça salvífica de Deus. Professam que a
autoridade transmitida por Cristo aos apóstolos e esses aos seus sucessores
(incluindo seus bispos) é, ao mesmo tempo, garantia de que sua Igreja é
católica e apostólica.
3.2.
Uma
Igreja Sacramental
Os Sacramentos são sinais externos e visíveis de graças
internas e espirituais. Para eles, o Batismo e a “Eucaristia” são sacramentos
indispensáveis à vida cristã. Santo Batismo: A filiação à Igreja se dá pelo
batismo com água e em nome da Santíssima Trindade. Nas igrejas anglicanas há
liberdade para celebrá-lo por aspersão ou por imersão, de acordo com os usos e
costumes de cada paróquia. Pessoas de qualquer idade podem ser batizadas em
alguma Igreja cristã.
A Igreja Anglicana em hipótese alguma pratica o
"rebatismo", em certos casos o batismo sob condição, crianças podem
ser batizadas independente da situação matrimonial dos pais. Qualquer pessoa,
uma vez batizada, tem direito de receber regularmente a Comunhão, inclusive as
crianças. A comunhão é o alimento
espiritual dos cristãos e principal reunião pública de culto e adoração. Seus
sinais externos e visíveis são o pão e vinho consagrados por um(a) sacerdote
devidamente autorizado(a) pela sucessão apostólica.
A Igreja Anglicana proclama a presença real de Cristo na
Eucaristia, mas não procura explicar dogmaticamente como se dá esse santo e
profundo mistério. O culto eucarístico é aberto a todas as pessoas que dele
queiram participar. É também momento de ouvir o Evangelho e a homilia
dominical.
Outros ritos de caráter Sacramental são a Confirmação ou
Crisma: Ministrada pelo(a) bispo(a), representa a maioridade na fé e confere a
todo confirmado a dignidade do ministério leigo e a plenitude dos dons do
Espírito Santo. Para ser confirmada, a pessoa precisa ser batizada, ter aceito
Jesus Cristo de forma pessoal e consciente como seu Senhor e receber instrução
catequética apropriada.
A Igreja Anglicana
celebra o matrimônio de acordo com as leis do país e desde que um dos noivos
seja batizado. Os divorciados podem casar-se novamente, cumpridas as
determinações canônicas da Igreja. Também é praticada a Unção e benção da
Saúde, ministrada pelo sacerdote mediante a imposição das mãos a todos que se
sentem abatidos de forma física, mental ou espiritualmente. O sacerdote, se
julgar conveniente, pode administrar a benção com óleo consagrado pelo(a)
bispo(a). A Penitência também conhecida como "Confissão e Absolvição"
é ministrada por um sacerdote coletivamente (durante a liturgia) ou
individualmente, assegura o perdão de Deus a todas as pessoas que se
arrependerem de suas más ações e desejam reiniciar uma nova vida. "Àqueles
a quem vocês perdoarem os pecados, esses serão perdoados" (João 20.23).
Ordenação: A Igreja ordena ao sagrado ministério pessoas que
tenham recebido elevada preparação teológica para corresponder à dignidade do
ministério. As ordens de diácono, presbítero e bispo são cumulativas,
vitalícias e abertas a homens e mulheres solteiros(as) ou casados(as). A Igreja
não exige aos sacerdotes o celibato.
4. Igreja Anglicana: Católica e protestante
Carlos
Eduardo Calvani, no artigo “A tensão entre Substância Católica e Princípio
Protestante no Anglicanismo” afirma: “A história da Igreja Anglicana é marcada
por oscilações pendulares em relação ao catolicismo romano e ao
protestantismo”.
A Igreja Anglicana busca equilibrar a tradição católica com
as influências da Reforma protestante. Por isso ela é católica e também
reformada. A liturgia preserva a mais antiga estrutura de culto cristão, com
grande ênfase na proclamação da Palavra de Deus. Dão grande valor à Liturgia,
definindo as crenças e doutrinas no próprio manual litúrgico (o Livro de Oração
Comum). O LOC orienta as diferentes celebrações não segundo uma opinião
individual, mas do consenso da Igreja como um todo. Para glorificação de Deus,
além do LOC, a Igreja Anglicana também dá grande valor à arte sacra, ao altar,
arquitetura dos templos e tudo que possa contribuir para expressar a fé em
Deus: as flores, as cores litúrgicas, velas, incenso, música e a atmosfera de
reverência diante de Deus.
O
anglicanismo tenta se equilibrar entre o peso de tradições pré-reformadas
(sobretudo na liturgia) e a influência de grupos protestantes às vezes bastante
radicais. Essa atitude recebeu mais tarde a designação de “via-média”,
expressão através da qual busca-se a identidade do anglicanismo num meio termo
entre o catolicismo romano e o protestantismo clássico. As evidências dessa
“via-média” ganham visibilidade em algumas peculiaridades anglicanas: tal como
no catolicismo, há bispos com sucessão apostólica, padres e diáconos, mas
semelhantemente ao protestantismo, não se exige de ninguém o celibato. Tal como
no catolicismo, o centro da vida litúrgica é o altar e a comunhão eucarística,
mas grande ênfase é dada na pregação. Utiliza-se terminologia tipicamente
católica (diocese, paróquia, eucaristia, missa, sacristia, padre, etc) mas, ao
mesmo tempo permite-se que padres sejam chamados de “pastores”, que a missa
seja designada “culto” ou que a Eucaristia seja chamada simplesmente “Santa
Ceia” ou “Ceia do Senhor”. Assim é o ethos anglicano – uma constante tentativa
de acomodar diferenças em prol da preservação da comunhão. (CALVANI, 2006, p. 76-77)
Os anglicanos encontram muita alegria em sua Igreja, nutrindo
por ela grande afeição. Em qualquer parte do mundo encontram no LOC a maneira
familiar de adorar e compreenderem-se participantes de uma grande família cristã
espalhada em 165 diferentes países e que tem como símbolo de unidade e comunhão
a Sé de Cantuária. O Reverendíssimo Rowan Williams é o 104o
Arcebispo de Cantuária. Ele foi entronizado na Catedral de Cantuária no dia 27
de fevereiro de 2003.
CONCLUSÃO
Igreja Anglicana é a Igreja cristã estabelecida oficialmente
na Inglaterra e é a matriz principal da atual Comunhão Anglicana ligada à Sé de
Canterbury, Inglaterra. Fora da Inglaterra, a Igreja Anglicana é geralmente
denominada de Igreja Episcopal, principalmente nos Estados Unidos da América e
países da América Latina.
A
Igreja da Inglaterra compreende-se como católica e reformada: Católica, na
medida em que se define como uma parte da Igreja Católica de Jesus Cristo, em
perfeita e válida continuidade com a Igreja apostólica e universal.
Reformada, na medida em que ela foi moldada por alguns dos
princípios doutrinários e institucionais da Reforma Protestante do século XVI,
nos princípios presbiterianos (ou calvinistas). O seu caráter mais Reformado
encontra-se na expressão dos Trinta e Nove Artigos de Religião, elaborado em
1563 como parte do estabelecimento da via média de religião sob a rainha
Elisabeth I da Inglaterra.
Os costumes e a liturgia da Igreja da Inglaterra, expresso no
Livro de Oração Comum (LOC), são baseados em tradições da pré-Reforma, com
influência dos princípios da Reforma litúrgica e doutrinária de inspiração
protestante. Possuem os sete sacramentos como na Igreja Católica, porém,
compreende-se também como Protestante, na medida em que não está subordinada ao
Vaticano nem ao papa.
REFERÊNCIAS
WILGES,
Irineu. Cultura religiosa, As Religiões
do mundo, vol I Petrópolis: vozes, 1984
HISTÓRIA
do Anglicanismo, Disponível em:
VERONESE,
Michelle. Igreja Anglicana: Do começo ao fim, Superinteressante. São Paulo: Abril, Agosto 2008. Disponível em:
Acesso
em 15 de abril de 2012.
HISTÓRIA
do anglicanismo dos primórdios até a idade média. Disponível em:
CALVANI,
Carlos Eduardo. A tensão entre Substância Católica e Princípio Protestante no
Anglicanismo, Revista Eletrônica
Correlatio n. 10 - Novembro de 2006 (p. 75-86). Disponível em: